28 de abril de 2013

UFBA - PRÊMIO IDEIAS INOVADORAS EM GESTÃO UNIVERSITÁRIA - ENTREVISTA


ENTREVISTA: Ganhador do Prêmio "ideias inovadoras em gestão universitária" conversa com o nosso blog

"Os governos estão estruturados para beneficiar o capital privado" 

Fonte: marioangelobarreto.blogspot.com.br Em: 28-04-13
Foto: Anônio Claudio
O professor universitário Antonio Claudio da Silva Pires, 37 anos, faturou o primeiro lugar de um concurso acadêmico da UFBA, onde selecionou ideias inovadoras no campo da gestão universitária. De origem popular, Pires nasceu no Município de Ipirá, semiárido baiano, 206 km de Salvador, e responsabiliza a dedicação aos estudos como fator determinante por sua vitória profissional. Formado em Ciências Contábeis (UFBA), Pós-graduado em Gestão de Tecnologia e Responsabilidade Fiscal, atualmente cursa mestrado no HIAC/UFBA.  Além de temas de sua área profissional, Pires adora viajar, principalmente para interior, ir pra roça com sua família, assistir a filmes de época, ficção, ler sobre a história, política, ufologia e física teórica. Com muita dedicação, o professor cedeu esta entrevista exclusiva ao nosso blog via e-mail.

Blog -  Você nasceu numa região, que pouco incentivo há para o desenvolvimento intelectual. Como conseguiu trilhar pelos caminhos da Educação?
Na adolescência comecei observar o conjunto social que eu estava inserido e passei a questionar minha realidade, meu pai trabalhador pobre, mecânico e negro, porém muito honesto e profissional, não conseguiria romper com aquela lógica de segregação, preconceito e estereótipos ao qual estávamos inseridos e que, até hoje permanece com relação ao serviço pesado, pouco valorizado e marginalizado das oficinas mecânicas, e que o jeito seria estudar e tentar trabalhar em alguma loja da cidade, fazer magistério, técnico em contabilidade ou outra formação que me oferecesse maior capacidade de intervenção na vida da minha família. Eu passei a gostar de estudar por força da preocupação da minha mãe com o ambiente de oficina – o que levava a me cobrar nos estudos - e da disciplina e inteligência do meu pai que não permitiam que eu deixasse uma lição sem fazer e não admitir que eu pedisse a alguém pra fazer pra mim, mesmo me cobrando pontualidade e responsabilidade no trabalho da oficina. Ele achava que de 11h30min, quando chegava da escola, às 12h30min, quando tinha que estar na oficina para que ele fosse pra casa almoçar, eu poderia fazer parte das atividades e ainda almoçar! Quando chegava a noite, a mesma coisa, se tivesse tarefa, primeiro a tarefa depois assistir TV e 09h30min, dormir, pois o dia começava às 5h30min, ajudar minha mão, jogando lixo, pegando água, comprar leite, pão, etc.

Na escola conheci colegas, hoje amigos, que por terem familiares com grau de instrução mais elevado, condição econômica mais confortável que a minha, já tinham uma agenda para seus estudos e já falavam em fazer segundo grau, Agro técnica (Catú), CEFET, CENTRAL, etc. Todo esse universo combinou com meu desejo de buscar respostas e mudança de “vida”. Era o Polivalente, na 5ª série. De lá passei a participar de atividades com colegas, sempre fui muito observador e buscava aprender rápido para não perder oportunidades, foi quando na sétima série, Copa do Mundo de 94,  em Ipirá, conheci uma galera que tinha parentes em salvador e só falavam na Casa dos Estudantes de Ipirá, até ali, era uma coisa totalmente nova para mim. Em seguida o pessoal da UJS, ligados a militância do PCdoB, sendo que dois deles eram parentes diretos do meu melhor amigo e começaram a nos incentivar na criação do Grêmio estudantil, Arismário Sena, militante aguerrido e preocupado com as questões sociais, nos orientou na criação do grêmio. Na sequência fomos da UJS e em 1996 chegamos à Capital.

Blog – Ipirá mantém uma Casa de Estudante, uma das mais tradicionais da Bahia. Você acredita que esse tipo de projeto ainda se faz necessário?

Sem dúvidas.  A residência tem um papel que extrapola a simples disponibilidade deum espaço físico pra se abrigar e para resolver suas limitações econômicas. A perspectiva de mudar de vida através de uma moradia estudantil, sabendo que terá que lhe dar com as limitações e acordos de convivência que fazem parte daquele cotidiano como; cumprimento de regras de convívio coletivo, respeito às liberdades civis, as questões das minorias, a discordância de opinião, votar e ser votado, a apreciação colegiada de pautas que vão da simples falta de fósforo, até a decisão pela ocupação de uma Câmara de Vereadores, por exemplo, para lutar por melhorias das condições dos trabalhadores, estudantes da cidade e da própria residência, te coloca numa dimensão muito própria que, dificilmente, experienciaremos vivendo no seio da família tradicional, no modelo de educação tradicional ou num apartamento com três ou quatro pessoas.  

Não defendo que para conquistar qualidade de vida e dignidade devamos ser privados de direitos elementares nem jogar trabalhadores a própria sorte – no salve-se quem poder - que é o que geralmente ocorre no Brasil. Defendo que a cidadania e a qualidade de vida devem andar juntas e de maneira linear, possibilitando o acesso aos direitos fundamentais e a perspectiva de ascensão aos que assim desejar.
Entendo que precisemos discutir a residência no contexto da nova realidade econômico-social que possibilita um maior acesso às políticas públicas, tanto voltadas para educação, quanto para redução da vulnerabilidade social dos trabalhadores, a interiorização do ensino técnico e superior, a da educação à distância. É preciso dar conta de algumas demandas que surgiram nessa ultima década, mas o projeto residência é um projeto de sucesso, testado e aprovado, e que tem gordura pra queimar, caso ocorra alguma crise, por muito tempo. É importante lembrar que os problemas estruturais do ensino e da distribuição de renda não sofreram alterações significativas! Então a residência é uma realidade mais que viável, só precisando absorver essa nova dimensão de assistência social.

Blog – Muitos estudantes de baixa renda ainda acham cursar a UFBA algo distante. Como foi sua carreira estudantil naquela Universidade? 

Eu convivo com pessoas que insistem em colocar os vestibulares públicos no patamar de impossibilidade. Sempre relato um pouco do que ocorreu comigo e com os colegas que passaram em federais e estaduais.
Estudar para vestibulares e concursos é como receita de bolo, siga as orientações e não tem erro! Estudar é uma questão de decisão e persistência. Considero aqui a realidade socioeconômica e não comparo a agenda do trabalhador com a agenda da classe media e da burguesia. Na agenda do trabalhador o que vem primeiro é a sobrevivência, depois as outras coisas. É dessa agenda que estou falando. Busque sempre aproveitar todo momento que tiver e dá uma lida, mesmo que cansado, estressado. Mudar os hábitos, aproveitar finais de semana, reduzir lazer, TV, mudanças domésticas e de convívio, também são importantes como; a colaboração dos familiares para que garantam um pouco de privacidade ou redução de barulhos, ter muita humildade e paciência com as críticas, colegas competitivos que vão tentar baixar sua estima, colegas que não entendem sua persistência e tentam desestimulá-lo. É preciso serenidade, discrição esses são fatores que contribuirão com sua paz nos estudos.

Tive um ótimo convívio na Residência Universitária pois eu era oriundo da Residência de Ipirá e militava no movimento de casas – ACEB e SENCE, junto com muitos residentes da UFBA. A experiência coletiva é única, o contato multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, o fato de morarmos na universidade, já que a residência faz parte do programa de assistência estudantil da própria universidade, e fica no campus, lhe pluga a universidade continuamente. Costumávamos falar que nas férias, professores, alunos não residentes e técnicos vão pra casa, já os estudantes residentes, permanecem na universidade – em casa - durante as férias, ou seja, moramos na universidade e isso tem um peso na formação, no conhecimento sobre a vida da universidade, que faz a diferença quando você saí. Sou Servidor Público efetivo, do processo seletivo de 2008 da UFBA e, quando fui pra unidade trabalhar que ouvia os debates sobre a conjuntura politica, sobre a sucessão eleitoral do reitor, sobre segurança no campus, sobre o movimento de estudantes, fiquei impressionado como o trabalhador, no processo de trabalho, fica “alienado”, Idiossincrático, cheio de construções isoladas, sem articulação com o mundo real! Essa percepção só me veio naquele momento, por força desse envolvimento constante com a vida da universidade. Ou com a vida de residente? Era tudo uma coisa só!

Blog - Ficamos informados pela rede sociais, que você faturou o primeiro lugar no concurso “ideias inovadoras em gestão universitária”. Conte para gente o que defendeu para surpreender a banca avaliadora.

É verdade. Propus a criação de um Núcleo de Importação e Exportação na UFBA para que a universidade se beneficie das vantagens de comprar diretamente do exportador e eliminar atravessadores (representantes comerciais, que lucram 50%, ou mais com essas transações) e usufruir da “Burrice Tributaria” do Brasil, pois comprando do exterior diretamente a UFBA se beneficiará da sua prerrogativa de Imunidade Tributária, plasmada no Decreto 200/67, que caracteriza as Autarquias, já comprando de representante no país, não poderá recorrer a prerrogativa (a Imunidade Tributária) . Temos ainda o fato de professores submeterem projetos, ligados a suas linhas de pesquisa e galgarem recursos para compra de importado. Estes pesquisadores acabam recorrendo à iniciativa privada – empresas - e, consequentemente, pagam preços astronômicos, tanto para compra quanto para trazer o bem para o Brasil. Do ponto de vista da exportação a universidade tem grandes projetos de pesquisa que precisam analisar amostras, cepas, lâminas, tecidos e outras substâncias/produtos, temos ainda obras de artes, acervo bibliográficos, geológicos, paleontológicos que poderiam ser levados para exposições, concursos, mostras, simpósios e outros eventos que possibilitem a internacionalização da universidade.  

Esse foi o meu projeto e realmente não tinha a menor esperança, pois, achei que, mesmo sendo uma ideia original, na universidade, o concurso era muito amplo e incorporava os três segmentos, servidores técnicos, alunos e servidores professores, este último, tem um know Hall bem maior, na submissão de projetos do que os demais segmentos.

Blog – O ensino superior privado ganhou muito espaço nos últimos 15 anos na Bahia. Como avalia essa expansão?

A expansão do ensino é uma demanda histórica, o que não podemos perder de vista é o controle da qualidade e a banalização do ensino, como mero instrumento de lucratividade, totalmente descomprometida da formação. O ensino privado na verdade diversificou sua participação no ensino, pois a educação privada no Brasil estava voltada para o ensino fundamental e básico, agora, de maneira ostensiva, vem permeando o segmento do ensino superior. O país não expandiu as Universidades Públicas, com o discurso de que as universidades públicas eram caras e o Estado não tinha recursos suficientes para investimentos e incentivou o ensino superior privado como alternativa. 

Precisamos ter muito cuidado com a relação capital e educação. Essa receita pode sim ter bons resultados e contribuir com a formação superior do Brasil, basta que as ferramentas de controle e fiscalização sejam utilizadas com vigor. Outra forma de atuação para controle da missão institucional destas Universidades são, antes de repasses, reduções de tributos e até isenções, cobrar relatório de gestão, planejamento pedagógico, qualificação do quadro docente, avaliação institucional, feitos por comitê tripartite, entre outras ações, acima de tudo a mudança de mentalidade dos atores envolvidos no processo e a consciência de que cuidar de pessoas, instruir e atuar na formação é uma responsabilidade, um ato de cidadania e não um resultado quantitativo.

Blog – Acaba de ser aprovado na Câmara dos deputados o projeto para uma nova Universidade Federal da Chapada com campus inclusive em Ipirá. Qual o impacto para a região?

Estou acompanhando o processo e estou bastante animado. As oportunidades devem chegar ao interior da Bahia. A chegada das instituições públicas no interior do Estado cumpre vários papéis que vão, desde a missão em si, até a influência dessas entidades na vida social, econômica, cultural, antropológica e democrática desses municípios. O que não podemos perder de vista é que a missão da universidade é criar possibilidades, questionar, produzir conhecimento e que este conhecimento seja capaz de melhorar a vidas das pessoas, humanizá-las, seja de maneira pacífica e harmônica, ou pela ruptura, o que não é possível aceitar que ela seja um instrumento de reprodução da dominação e do extermínio das esperanças.
Sentiremos mudanças imediatas em alguns setores como o da construção civil, mão-de-obra, hotelaria, restaurantes, comércio varejista (por forças das licitações), tudo isso decorrente da implantação estrutural. No aspecto da formação educacional, da influência cultural, antropológica, fortalecimento das instituições locais, teremos que aguardar um pouco mais, pois, são traços que não percebemos no curto prazo, necessitamos de algum tempo ou estudo para identificarmos.

Blog – Em Ipirá, uma confusa instabilidade política eleitoral levou Ademildo (PT) à condição de prefeito. É possível dizer que Ipirá rompeu com o controle das oligarquias locais?

Este é um tema que me interessa sobremaneira, primeiro por se tratar da minha terra natal, segundo por dizer respeito a vida politica daquela cidade.  A chegada de Ademildo ao executivo municipal cumpriu as determinações da Lei Eleitoral, no caso de renúncia, afastamento, morte, do chefe do executivo, assume o vice-prefeito. Este critério serve para resguardara a ordem pública e a continuidade na prestação dos serviços.

Ao se fazer parte da coligação da atual ex-prefeita de Ipirá, ele assume compromissos programáticos e assume que tem identidade com aquele projeto, logo, não há grandes diferenças entre sua linha ideológica e seu programa partidário dos da ex-prefeita, caso houvesse, dificilmente seria possível acomodá-los no mesmo projeto - coligação. 

Do ponto de vista da ação governamental, considero que é possível identificar uma reconfiguração de rota, mesmo que muito tímida, porém visível, não são mudanças capazes de afastá-lo do grupo que o elegeu, mas sinaliza mais identidade com algumas demandas históricas da população, principalmente estudantes e artistas. Nas entrevistas que assisti, ele deixa claro que não iria romper com os acertos e com o projeto que possibilitou a chegada ao executivo, na coligação com Ana Verena, sendo assim, se sua sustentação será mantida, não há que se falar em rompimento com os oligarcas e caciques, prova disso é que em toda grande solenidade temos ao seu lado figuras como Jurandy Oliveira, símbolos dessa oligarquia.

Blog – Como vencedor de um prêmio que avalia novas ideias no campo da gestão, que caminhos os gestores municipais do semiárido devem trilhar para superar a pobreza?

A redução da pobreza é uma questão de prioridade. Os governos estão estruturados para beneficiar o capital privado, transferindo a riqueza do Estado, através de contratos majorados, consultorias desnecessárias que visam apenas fazer caixa para campanhas eleitorais, inchaço de cargos comissionados, onde vários comissionados repassam parcela do subsídio para os partidos e para os responsáveis pela sua nomeação, obras de engenharia que constroem GIGANTES DE PÉ DE BARRO, prédios e obras feitas com material de baixa qualidade, baixa durabilidade e elevado custo de manutenção, com majoração no custo do material de construção, elétrico, hidráulico, material que nunca chegará à obra e se chegar, será apenas uma pequena parte. 

Combater tudo isso já seria uma excelente ideia inovadora, ser mau gestor é um comportamento gerencial cotidiano da imensa maioria dos responsáveis pela execução dos recursos públicos. As experiências que conhecemos que atacou esses problemas diagnosticou melhoria significativa na qualidade de vida e na condição de renda da população. 

Para os Gestores mais civilizados e responsáveis, é possível levar renda a partir da identificação das forças e capacidades de cada perfil socioeconômico local, incentivando a organização de núcleos de negócios, seja na pecuária, na agricultura, prestação de serviços, no artesanato, na culinária, na música e, a partir dessas células, criar uma rede de empreendedorismo, orientando na formação de projetos, na comercialização, captação de recursos, financiamento governamental e privado, fomentarem iniciativas inovadoras com premiação, suporte técnico, inserção nos mercados, controle de qualidade, inserindo esses grupos no ambiente de rede (criando um portal onde estaria concentrado o portfólio de cada núcleo, sua história, missão, visão, valores), incluir na programação oficial – calendário cultural da cidade feiras, atrelar a marca do projeto aos eventos oficiais da cidade, etc. Não são ideias novas, mas são inovadoras ao atual modelo de Gestão Pública fria e insensível aos potenciais de sua gente.

Governar para o povo é tudo que não vem acontecendo na atualidade. A grande mídia, as corporações, que geram grande parcela dos empregos, das receitas e dos impostos, inevitavelmente, irá interferi na politica e na aplicação dos recursos públicos. Este é um fenômeno crescente nas cidades polo e agora em cidades menores do interior da Bahia.

Mas com a lei de acesso a informação, com blogueiros independentes e a mídia alternativa em geral a vida fácil dos ordenadores de despesa tende a se deslocar da zona de conforto para um uma zona menos tranquila. A partir do acesso a estas ferramentas, as pessoas saberão como e onde está sendo utilizado, bem como o que fazer, no caso de detecção de indícios de Crimes Contra a Administração.

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